sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O meu livro. Por Luís Pedro Pereira, 10º CT5


No Café da Juventude Perdida”, de Patrick Modiano

   O título do livro é retirado de uma frase de Guy Debord que é citada no livro: “A meio do caminho da verdadeira vida, encontrávamo-nos rodeados por uma angustiante melancolia expressa por tantas palavras tristes e deprimentes, no café da juventude perdida”.
   “No Café da Juventude Perdida” é um romance parisiense que tem como protagonista a própria cidade de Paris, com as suas ruas e atmosferas, o seu esplendor ou o seu mal de viver. Modiano faz com que Paris nos apareça, ao longo do livro, mais como um estado de espírito difuso (manifestação do desnorte emocional das personagens) do que propriamente uma paisagem concreta.
   A narrativa começa por evocar com nostalgia a existência boémia dos intelectuais e estudantes que sonhavam com a “verdadeira vida”, sentados à mesa dos cafés, no início dos anos 60 do século XX. O Condé é apresentado como uma espécie de palco, de gosto duvidoso, que acolhe jovens na casa dos 20 anos, sem eira nem beira, socialmente desenquadrados e ávidos de tertúlias, mas também alguns escritores mais velhos (como Arthur Adamov e Maurice Raphaël, personagens reais).
   É precisamente no Condé que a personagem central deste romance, uma misteriosa rapariga chamada Jacqueline Delanque, se transforma em Louki, simbolizando mais um dos recomeços que marcam uma vida feita de cortes, ausências e enigmas. “Só era realmente eu própria no instante em que fugia de mim. As minhas únicas boas recordações são recordações de fuga ou de afastamento.” Louki faz do café refúgio, talvez para escapar a um perigo, mas logo se desvanece, deixando atrás de si um rasto ténue que outros perseguem, tão fantasmagóricos quanto ela. 
Louki retrata a solidão, o desenraízamento, vivendo constantemente à procura do seu lugar no mundo, alterando constantemente a sua vida e cortando raízes com quem vai encontrando pelo caminho.
   São quatro os pontos de vista que o romance nos oferece, todos eles contados na primeira pessoa. Temos a versão da história de Louki, contada por um dos jovens do Condé, estudante da Escola Superior de Minas (e prestes a deixar de o ser). Temos o relato seco e melancólico da investigação de um detetive, posto no encalço de Jacqueline pelo marido, depois de ela ter subitamente escapado de casa e do casamento. Temos a voz da própria Louki, às voltas com a atração pelo abismo. E temos a perspetiva do seu amante, Roland, também ele escondido atrás de um nome falso.
   O livro fala da perda irrecuperável, da separação entre o indivíduo e a sociedade. Os personagens trocam palavras entre si, mas nada dizem, nem uns aos outros, nem a si mesmos. Na verdade, a personagem principal, Louki ou Jacqueline, ou Louise du Néant (Louise do Vazio) talvez seja a única que percebe claramente este facto. A separação entre ela e o mundo é inevitável e intransponível. Só resta atirar-se para esse grande vazio ou fugir. 
   Na minha perspetiva, a densidade do livro espelha-se nesta frase constante a fls.36: “Nesta vida que se nos afigura por vezes como um vasto terreno deserto sem marcas de informação, no meio das linhas de fuga e dos horizontes perdidos, gostaríamos de encontrar pontos de referência, de estabelecer uma espécie de cadastro para iludir a impressão de navegar ao acaso. Então, tecemos laços, procuramos tornar mais estáveis encontros ocasionais.”

Luís Pedro Pereira, 10º CT 5

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Sobre o escritor:

O Prémio Nobel da Literatura, 2014,  Patrick Modiano, nasceu em 1945. O escritor não viveu a Segunda Guerra, mas esta sua fixação temática tem óbvias raízes nas suas próprias origens. Os seus pais conheceram-se na França ocupada. A mãe, a actriz belga Louisa Colpeyn – futura intérprete de filmes de Becker, Autant-Lara ou Godard –, era tradutora quando conheceu Alberto Modiano, um italiano de origem judaica que viveu a ocupação com uma falsa identidade (Henri Lagroux) e que parece ter sido protegido por personalidades influentes na elite francesa pró-nazi.
Ainda hoje se sabe pouco sobre as exactas circunstâncias que permitiram a este judeu italiano não apenas sobreviver, mas amealhar uma considerável fortuna na França ocupada por Hitler. Patrick, que costumava encontrar-se com o pai em locais pouco íntimos, como estações de comboios ou átrios de hotéis, tinha 17 anos quando decidiu não o voltar a ver.
Também a mãe esteve muito pouco presente na sua infância e adolescência, o que o aproximou ainda mais do seu irmão Rudy, dois anos mais novo, com quem viveu em Paris na casa dos avós maternos. A morte do irmão, com apenas seis anos, destruiu definitivamente a infância de Patrick Modiano e fará com que os temas da perda, da ausência, do vazio, da identidade fragmentada, venham a ser dominantes na sua obra literária.
O crítico Yannick Pelletier sublinha ainda que o escritor pratica uma “arte da indefinição e da dualidade”. Os seus protagonistas são muitas vezes seres paradoxais, como o colaboracionista Lacombe Lucien do notável filme com o mesmo nome, cujo argumento Modiano escreveu para o cineasta Louis Malle. O anti-herói do filme é um rapaz que se torna colaborador dos nazis após uma tentativa frustrada de aderir à Resistência.
Na sua conturbada adolescência, Patrick Modiano encontra um apoio fundamental num amigo da mãe, o célebre escritor Raymond Queneau, que lhe dá aulas particulares, o introduz nos meios literários e o apresenta aos responsáveis da editora Gallimard.
Descontados alguns empregos efémeros – cobriu a revolta estudantil do Maio de 68 como jornalista da Vogue –, Modiano dedica-se há muito em exclusivo à sua obra literária. Casou-se em 1972 com Dominique Zehrfuss, filha do arquitecto Bernard Zehrfuss, de quem tem duas filhas, a realizadora de cinema Zina Modiano e a cantora e escritora Marie Modiano.
O escritor vive em Paris e tem fama de raramente aparecer em sessões públicas ou de dar entrevistas. “É muito discreto e leva uma vida bastante recatada”, confirma Manuel Alberto Valente, que o convidou várias vezes para vir a Portugal, sempre sem sucesso. A Porto Editora está agora em negociações com a Gallimard, adianta o editor, para publicar os dois últimos livros de Modiano – L’Herbe des Nuits (2012) e Pour Que Tu Ne Te Perdes Pas Dans Le Quartier (2014) – e para “eventualmente recuperar” alguns dos seus livros mais antigos que nunca chegaram a ser publicados em Portugal.
Além dos cerca de trinta romances que publicou, Modiano escreveu vários argumentos para cinema, quer originais, quer adaptações de obras suas, tendo trabalhado com cineastas como Patrice Leconte, Pascal Aubier, Jean-Paul Rappeneau ou o chileno Raoul Ruiz.

In Público

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