terça-feira, 26 de janeiro de 2016

"Flores" de Afonso Cruz comentado por Inês Moura (11.º CT4)



"Afonso Cruz nasceu em 1971, na Figueira da Foz. É escritor, realizador de filmes de animação, ilustrador e guitarrista da banda The Soaked Lamb, para a qual também compõe. 
Estudou na Escola Secundária Artística António Arroio, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e, mais tarde, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira. Vive em Sousel, no Alentejo.
Publicou o seu primeiro livro em 2008, sendo o mais conhecido “Jesus Cristo Bebia Cerveja” , de 2012, com o qual ganhou, entre outros, o prémio Time Out-Melhor Livro do Ano.
“Flores” é o livro mais recente do autor, publicado em setembro de 2015. Foi escrito num iPad entre aeroportos, hotéis e cidades distintas. 
Retrata a história de Ulme e a sua tentativa de, juntamente com o seu vizinho, o narrador, recuperar a sua memória. Ulme sofreu de um aneurisma, tento perdido todas as suas memórias do campo afetivo. Recorda-se do código do seu cartão multibanco, de todas as espécies que estudou enquanto botânico, mas não se lembra do seu primeiro beijo ou de ver uma mulher nua.
A personagem de Ulme foi inspirada num guitarrista que, ao sofrer de um aneurisma, viu-se obrigado a reaprender a tocar com as suas antigas gravações, tornando-se ainda melhor músico do que o que era.
Cada descoberta da vida passada de Ulme vai iluminar um acontecimento do presente do narrador que reconstrói o passado a Ulme, enquanto este, inconscientemente, lhe constrói o presente. Juntos vão partir à descoberta da aldeia alentejana de onde Ulme é natural e recolher testemunhos sobre o seu passado.
Este livro mostra-nos a importância que os outros têm nas nossas vidas e como a sua presença nos define.
É um grito de guerra: apela para a nossa resistência e para a nossa insistência em viver otimistamente, embora saibamos o nosso fim: a morte. Ulme está às suas portas, porém não se deixa cobrir pelo “manto de desumanização” e conformidade que nos aquece. Este manto dá-nos uma certa anestesia para com o que se passa à nossa volta: deixamos de nos importar com as tragédias diárias; estas vão-se acumulando de tal maneira que nos passam ao lado e passamos a importar-nos mais com as pequenas coisas, que nos são mais íntimas: todas as notícias transtornavam Ulme, enquanto que ao narrador, apenas lhe importava se o chapéu não tinha sido deixado em cima da cama. 
Isto é-nos universal: incomoda-nos mais quando alguém nos pisa na rua, ou quando são mal-educados, do que quando ligamos a televisão e vemos que morreram 100 pessoas na China num deslizamento de terras. Criamos uma relação de hierarquização da tragédia com a proximidade dela: “O que os olhos não veem, o coração não sente”.
Tendencialmente, culpamos a rotina por isto, porém a rotina tem uma grande importância na nossa criação e na criação das relações que estabelecemos com os outros. Cria a nossa identidade: é aquilo que fazemos todos os dias, o que é repetido vezes sem conta que dita quem somos. É o molde do nosso caráter e dá coesão às nossas relações. Tudo o resto serve apenas para limar as nossas arestas; o extraordinário não nos define. Isto não significa que temos de nos deixar cair na monotonia, apenas viver as rotinas da melhor maneira, de forma a aproveitá-las.
A personagem de Ulme consciencializa-nos disto mesmo, com as suas expressões típicas (“Altitude”, “Não desistiremos”, “Entremos mais dentro da espessura”) que são precisamente um apelo a um compromisso que vai para além da superfície, um apelo à ação e à vida.
A parcela que não podemos esquecer nesta equação é o outro. Todos contribuímos para a construção da identidade de alguém, pois vemos o outro de ângulos diferentes. Nenhum destes pontos de vista é absoluto, mas a sua soma talvez esteja mais próxima de uma suposta realidade. 
Altitude, amigos! E não se desprezem uns aos outros."

Inês Moura
11º CT4


1 comentário:

Arquivo do blogue