Reflexão (parcial) de Ana Margarida Cardoso do 11º CT3
«O
'Ensaio sobre a Cegueira´'é uma obra que nos recorda a "responsabilidade de ter olhos quando os outros os
perderam.” Num livro onde a literatura e a sabedoria se cruzam, Saramago
obriga-nos a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, reaver o afeto
diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: “uma
coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”
Antes
de falar sobre a cegueira para a qual Saramago nos remete, será importante
compreender a citação que se encontra na epígrafe do livro. Esta frase é uma
proposição chave visto que sem ela não conseguiremos descodificar a mensagem de
Saramago: 'Se podes olhar, vê. Se podes
ver, repara'.
Serão
os conceitos olhar, ver e reparar sinónimos? Para algumas pessoas talvez, mas
para Saramago, não. Para o autor, a visão divide-se em 3 patamares: olhar, ver
e reparar. Olhar é o primeiro patamar, o mais simples, implicando, por isso,
uma panorâmica geral, ou seja olhar para um determinado espaço sem, contudo,
notar sobre nenhum aspeto em particular. Ver obriga a fixar a vista em algum
aspeto que sobressai durante o “olhar” exigindo algum grau de descodificação ou
capacidade de interpretação. E o último patamar é reparar. O aspeto focado no
patamar anterior é, além de analisado e dissecado, retido na memória a longo
prazo, A memória é permite a identificação, ligação e numa etapa final a
compreensão das situações, por analogia, proporcionando as adaptações do
comportamento necessárias à mudança.
E através
desta frase, a leitura de 'Ensaio sobre a Cegueira' faz com que olhemos,
vejamos e reparemos numa humanidade que sofre um colapso temporário, o qual se
manifesta numa estranha cegueira que não tem relação com qualquer tipo de
anomalia física, "uma estranha cegueira branca” que impede o
discernimento, impossibilita a distinção das coisas: a verdade da mentira, o
bem do mal, o justo do injusto. Trata-se de uma incapacidade de discernimento
que dilui os limites que separam o lado positivo e negativo, aumentando a
zona de transição, um estado de incerteza que leva à desorientação. Trata-se de
uma ocorrência de teor apocalíptico que se concretiza numa mutação repentina,
traz o caos ao quotidiano. (...)
Esta
luminosidade seria o paliativo da sociedade de consumo onde os media vendem uma
ilusão glamorosa, baseada em mensagens douradas e vazias de conteúdo, com o
objetivo de expurgar toda uma população de capacidade de raciocínio e sentido
crítico.
Durante
o tempo em que ficam sem visão, o desespero dos personagens faz com que alguns
deles usem artifícios sujos para conseguir sobreviver. A partir disso,
observamos situações como segregação de grupos, abuso de poder pelos mais
fortes, disputas por comida, ganância, traição, violência e abuso sexual.
E quais
dessas situações descritas acima não são comuns no nosso quotidiano? Todos
esses problemas citados são problemas da sociedade em que vivemos.
Frequentemente lidamos com abuso de poder das autoridades, desigualdade social,
em que parte da população mundial vive abaixo da linha de pobreza e nem se quer
faz uma refeição por dia, todo o tipo de violência, física, moral ou sexual.
Sem contar os diversos tipos de preconceitos que geram a segregação de muitas
pessoas.
Nada do
que os personagens de Saramago sofrem no livro é estranho para nós. Na verdade,
o autor fala da nossa cegueira quotidiana em relação a crise de nossa própria
sociedade.(...)
A
cegueira dos olhos é apenas uma metáfora para a nossa verdadeira cegueira
mental. A perda de um dos sentidos aparece como pano de fundo para fazer um
retrato da nossa sociedade: individualista, oportunista, chantagista, preconceituosa
e, por vezes, solidária. A única diferença é que sem a visão, essas
características não se discriminariam por classe social ou raça.(...)
O
Ensaio sobre a Cegueira é um paradoxo através da cegueira conseguimos ver quem
realmente somos. Esses cegos chegaram ao “fundo do poço” de onde puderam ver
surgir as suas fraquezas, a sua arrogância, a sua intolerância, a sua
impaciência, a sua violência. Mas assistiram também à sua própria força, à sua
solidariedade, à sua generosidade, ao seu espírito revolucionário e à revisão
de seus próprios preconceitos. Este livro é na verdade um ensaio sobre visão do
outro, das relações humanas, das linguagens, da verdade, do poder …
O
pensamento dominante no final do livro é que na realidade, ninguém cegou
realmente e que, a humanidade, salvo raríssimas exceções, continuará cega ou
atravessará períodos em que a incapacidade de discernimento pela alienação a
atingirá com a mesma violência das grandes catástrofes naturais.»
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